1.Introdução
Recentemente — bem, não tão recentemente assim, por volta de 2023 — , escrevi um artigo falando sobre a criação de um Design System, com foco em técnicas voltadas para a construção de componentes e na rotina do dia a dia. Naquele momento, o objetivo era compartilhar insights práticos sobre como estruturar um sistema que pudesse atender às necessidades imediatas dos times de design e desenvolvimento.
No entanto, com o tempo e a experiência, percebi que a criação de um Design System vai além da construção de componentes isolados. Para que um sistema seja verdadeiramente eficaz e escalável, é necessário pensar em uma arquitetura robusta e em uma governança clara. Esses dois pilares garantem que o sistema não apenas funcione no presente, mas também evolua de forma consistente no futuro, adaptando-se às mudanças tecnológicas e às demandas dos produtos.
Neste artigo, vou compartilhar as técnicas e práticas que utilizei para estruturar a base de um Design System escalável, com foco em arquitetura e processos de governança. O objetivo é mostrar como uma base bem planejada pode evitar problemas comuns, como falta de componentes, tokens insuficientes ou inconsistências visuais, e garantir que o sistema evolua de forma consistente, adaptando-se às mudanças tecnológicas e às demandas dos produtos.
2.Contextualização
No cenário atual de desenvolvimento de produtos digitais, os Design Systems têm se tornado peças fundamentais para garantir consistência, eficiência e escalabilidade. No entanto, à medida que os produtos crescem e se diversificam, muitos Design Systems começam a mostrar sinais de desgaste. Componentes essenciais ficam faltando ou quebrados, e os Design Tokens — que deveriam ser a espinha dorsal do sistema — nem sempre fornecem todas as cores, fontes e variáveis necessárias para o dia a dia de desenvolvimento.
Esses problemas são comuns em sistemas que não foram projetados com uma base sólida e escalável desde o início. Sem uma estrutura bem definida para os Design Tokens e uma governança clara, fica difícil garantir que o sistema atenda às necessidades atuais e futuras, impactando diretamente a produtividade das equipes e a consistência visual entre os produtos.
2.1 Problema
O principal desafio que eu percebi quanto se trata de Design Systems é a falta de uma base robusta e escalável. Sem uma estrutura bem organizada, os sistemas tendem a se tornar frágeis e difíceis de manter. Alguns dos problemas mais comuns podem incluir:
- Falta de Componentes: Muitas vezes, os times precisam criar componentes do zero, pois os existentes não cobrem todos os casos de uso. Isso gera retrabalho e inconsistências.
- Componentes Quebrados: Componentes que funcionavam bem no passado começam a apresentar problemas, seja por falta de manutenção ou por não serem compatíveis com novas tecnologias.
- Tokens Insuficientes: As cores, fontes e variáveis disponíveis não cobrem todas as necessidades dos produtos, forçando os times a improvisar e quebrar a consistência do sistema.
- Reuso de Componentes entre Produtos: Um dos maiores problemas era a prática de reutilizar componentes diretamente de um produto para outro, sem buscar na fonte do Design System. Isso criava uma série de problemas com updates, já que as alterações feitas na fonte não eram refletidas nos produtos que haviam “copiado” os componentes. Como consequência, os produtos ficavam desatualizados e inconsistentes, e a manutenção se tornava cada vez mais complexa.
Esses problemas não só impactam a eficiência das equipes, mas também comprometem a experiência do usuário final, que passa a perceber inconsistências entre diferentes produtos ou funcionalidades.
2.2 Solução Proposta
Em um dos últimos Design Systems que tive a oportunidade de evoluir apresentou vários dos pontos que comentei acima, e para resolver esses desafios, é e foi essencial adotar uma abordagem dupla: uma arquitetura bem fundamentada combinada com governança eficiente. A arquitetura é o alicerce que determina como o Design System irá evoluir, enquanto a governança garante que essa evolução aconteça de forma controlada e sustentável.
2.3. Arquitetura como Base Fundamental
Como comentei anteriormente, a arquitetura de um Design System deve ser projetada para ser:
- Escalável: Capaz de crescer organicamente sem perder consistência.
- Modular: Com componentes independentes que podem ser combinados ou atualizados sem afetar todo o sistema.
- Agnóstica em Camadas: Separando claramente o que é tech-agnostic (Design Tokens, Core Components) do que é tech-specific (UI Lib, Temas). Essa divisão permite que o sistema seja utilizado em diferentes stacks tecnológicos sem perder sua essência.
A arquitetura começa com:
- Design Tokens Hierárquicos: Global Tokens (valores primários) e Local Tokens (adaptações contextuais).
- Core Components: Componentes atômicos e imutáveis, construídos sobre os Tokens.
- UI Lib: Componentes específicos que podem ser promovidos ao Core quando atingirem maturidade.
Essa estrutura garante que:
✔ Atualizações sejam propagadas automaticamente a todos os produtos.
✔ Novas necessidades possam ser atendidas sem romper com o existente.
✔ A consistência visual seja mantida mesmo com a diversificação de produtos.
3. Arquitetura em Detalhes
Agora que estabelecemos a importância da arquitetura, vamos explorar como cada camada é construída:
- Camada Tech-Agnostic: Design Tokens e Core Components
2. Camada Tech-Specific: UI Lib e Temas
3. Camada Prod-Specific: Implementação nos produtos
Essa divisão estratégica é o que permite ao Design System ser ao mesmo tempo consistente e adaptável — como veremos a seguir.
A Arquitetura é é organizada em camadas que garantem consistência, flexibilidade e escalabilidade. Cada camada tem um papel específico, desde a definição dos fundamentos de design até a construção de interfaces completas. A arquitetura é dividida em três níveis principais: Tech-agnostic, Tech-specific e Prod-specific. Abaixo, detalhamos cada uma dessas camadas:
1. Camada Tech-agnostic
Essa camada é independente de tecnologias específicas, focada em definir os fundamentos do design e os componentes mais básicos. Ela serve como a base universal do sistema, garantindo que o DS possa ser utilizado em qualquer ambiente de desenvolvimento.

- Design Tokens: São a essência do sistema, definindo valores como cores, tipografia, espaçamento e bordas. Eles são replicados para tematização, permitindo a criação de 4 temas distintos com cores específicas, que podem ser aplicados conforme a necessidade do projeto.
- Foundations (Fundamentos): Representam os valores primários de design, como paletas de cores, fontes e espaçamentos, que servem como alicerce para toda a interface.
- Accessibility (Acessibilidade): Garante que os tokens e componentes estejam alinhados com as melhores práticas de acessibilidade, assegurando que o sistema seja inclusivo e utilizável por todos os usuários.
- Core Components (Componentes do Núcleo): São os componentes mais básicos e reutilizáveis, como botões, inputs e ícones. Eles são criados a partir dos Design Tokens e são indivisíveis, formando as menores partes da interface. Esses componentes são combináveis e robustos, permitindo a construção de interfaces complexas de forma consistente.
2. Camada Tech-specific
Essa camada é onde o sistema começa a se adaptar a tecnologias e contextos específicos. Aqui, os componentes e temas são ajustados para atender às necessidades de diferentes plataformas e frameworks.

- UI Lib Components (Componentes da Biblioteca de UI): São componentes criados pelos times de produto para atender necessidades específicas. Eles podem ser promovidos ao Core Components caso sejam relevantes para outros projetos. Essa camada permite flexibilidade e adaptação às demandas de cada produto, mas ainda mantém uma conexão com a base Tech-agnostic.
- Tematização: Antes de iniciar um projeto, é possível definir temas que especificam cores, fontes e outros atributos visuais para uma gama de produtos semelhantes. Essa camada permite a personalização do sistema para diferentes marcas ou linhas de produtos, mantendo a consistência interna.
- Aplicações (Apps, Dashboards, etc.): Aqui, os componentes e temas são aplicados em contextos específicos, como aplicativos móveis, dashboards ou sites. Essa camada é onde o sistema se adapta às particularidades de cada plataforma, garantindo que a experiência do usuário seja otimizada para o contexto de uso.
3. Camada Prod-specific
Essa camada é totalmente focada no produto final, onde todas as decisões de design e tecnologia são aplicadas para criar uma experiência única e alinhada com as necessidades do negócio.

- Produto Final: É a camada onde o DS é implementado em um produto específico, como um aplicativo, site ou sistema interno. Aqui, todos os componentes, tokens e temas são aplicados para criar uma experiência coesa e alinhada com as diretrizes de design. Essa camada é altamente customizável, permitindo que as equipes ajustem o sistema para atender às demandas exclusivas de cada produto.
4. Governança como Motor de Evolução
Uma arquitetura robusta precisa de processos claros para garantir consistência, colaboração e evolução contínua. Os pilares estratégicos incluem:
- 4.1. Adoção por versão
- 4.2. Qualidade: Critérios estruturados para adição ou modificação de componentes.
- 4.3 Comunicação: Alinhamento contínuo entre design, desenvolvimento e produtos.
- 4.4 Métricas: Uma abordagem baseada em dados para gerenciar o DS e operações de Design.
Para transformar esses pilares em ação, estruturar mecanismos que garantem transparência, colaboração e ritmo sustentável na evolução do sistema. Isso começa com a adoção controlada por versão, segue com a gestão ativa da qualidade e culmina em ciclos iterativos de melhoria contínua.
4.1. Adoção por Versão
Objetivo: Garantir que todos os times consumam o sistema de forma padronizada e atualizada.
Como funciona:
– Uso obrigatório da versão mais recente do DS (sem modificações locais).
– Planilha compartilhada atualizada mensalmente pelas squads.
– Campos: Nome do Squad, Versão do DS em uso, Data da última atualização.

4.2 Como Mantemos a Qualidade?
Objetivo: Manter alta qualidade e consistência nos componentes.
Mecanismos:
Pattern Critique (Ritual Mensal):
– Revisão colaborativa entre design e desenvolvimento.
– Foco: promoção de componentes para Core, ajustes e débitos técnicos.
Inspeção Ativa:
Bibliotecas documentadas (Storybook/NPM).
Autonomia para implementação, com incorporação obrigatória de feedbacks.
4.3. Comunicação: Alinhamento Contínuo
Objetivo: Sincronizar design, desenvolvimento e produtos.
Mecanismos:
– DS Sync: Reuniões semanais para alinhar novos componentes e feedbacks.
– Canais Centralizados: Discord/Teams (#design-system, #ds-feedback).
– Documentação Acessível: Guias no Storybook/Figma e decisões registradas (Notion/Loop/Confluence).
– Newsletter Mensal: Destaques de evoluções e adoção pelas squads.
4.4. Métricas: Gestão Data-Driven
Objetivo: Medir eficiência, adoção e impacto do DS.
Métricas-Chave:
– Taxa de adoção: % de uso dos componentes core (meta >90%).
– Tempo de entrega: Redução do ciclo design → dev.
– Retrabalho: Número de ajustes pós-implementação.
– Satisfação: Pesquisa trimestral com times (escala 1–5).
– Consistência visual: Análise automatizada (ex.: Percy).
4.5 Como Tudo se Conecta:
- A comunicação (4.3) alimenta as métricas (4.4) com dados qualitativos.
- As métricas (4.4) direcionam prioridades para qualidade (4.2) e adoção (4.1).
- A adoção por versão (4.1) depende de comunicação clara (4.3) para funcionar.
A governança não é sobre controle, mas sobre habilitar evolução com transparência, dados e colaboração. Esses 4 pilares formam um ciclo virtuoso: comunicar → medir → melhorar → adotar.
Conclusão: Menos é Mais, mas com Fundamentos Sólidos
A construção de um Design System escalável transcende a simples organização de componentes ou definição de tokens. Trata-se da implementação de uma infraestrutura sistêmica capaz de sustentar evolução contínua, garantindo consistência visual e funcional em ambientes complexos e multiplataforma.
A experiência prática em projetos de DS evidenciou os seguintes pilares:
- 🧱 Arquitetura em camadas — A estruturação em níveis (tech-agnostic → tech-specific → prod-specific) permite desacoplamento inteligente entre abstrações e implementações. Essa abordagem favorece reuso, facilita manutenção e reduz o risco de fragmentação entre produtos.
- ⚙️ Governança operacional — A efetividade do sistema depende de processos bem definidos para adoção, versionamento, validação de qualidade e comunicação entre stakeholders. Sem governança, a arquitetura perde tração.
- 🧩 Desafio cultural — A maior barreira não é técnica, mas organizacional. Promover a adesão ao Design System como single source of truth exige alinhamento entre times, combate a soluções locais e investimento em evangelização interna.
Este artigo nasce da recorrente falha em reconhecer que a escalabilidade começa pela fundação. Um DS robusto não se mede pela quantidade de componentes, mas pela capacidade de entregar consistência com baixo atrito e alta previsibilidade.
A jornada exige visão sistêmica e disciplina arquitetural. Cada camada bem definida é um passo rumo à maturidade organizacional e à sustentabilidade do ecossistema digital.
E você, como tem estruturado seu Design System para escalar sem perder consistência? Vamos abrir esse debate.